Introdução
No horizonte, por trás de uma cortina de fumaça o sol começa a despontar. É um sol grande, que promete mais um dia muito quente. As crianças acordam com os olhos pregados por remelas, geradas pela irritação provocada por cinzas das queimadas nos canaviais.
Com paciência as mães limpam os olhos das crianças com um pano embebido em óleo de cozinha, só então elas podem contemplar o dia que está nascendo. Ouvi-se aqui e ali as risadas infantis, a algazarra dos pássaros, e o coro de animais pedindo por comida. As mães, quase sempre em silencio apenas resmungam impropérios contra os pequenos, contra a miséria, e contra a vida. Os pais, há muito foram para as lavouras.
Quando ia atravessar a rua percebeu que um funeral se aproximava vindo da esquina, respeitosamente tirou o chapéu e o segurou com a mão esquerda junto ao peito, com a direita fez o sinal da cruz.
Analisando o féretro verificou que o cortejo consistia de apenas um caminhão com o caixão e um ônibus com meia dúzia de familiares. È dia de batente pensou, justificando a comitiva e concluindo sua análise enquanto colocava o chapéu na cabeça e atravessava a rua.
Entrando num bar empório pediu uma mineirinha, fazendo questão de dizer que era no capricho, virou de uma só vez o copo de cachaça sentindo o líquido queimar goela abaixo. Depois de tanta poeira de estrada, aquela bebida lhe pareceu melhor do que água, olhou para o dono do estabelecimento e tentou puxar conversa:
__ Êita coisa gostosa sô!
No final do balcão, com um pano que deveria ser o guardanapo, o dono do boteco tentava espantar sem muito sucesso as dezenas de moscas que insistiam em experimentar a mortadela do local. Ouvindo o comentário do forasteiro, colocou o pano num dos ombros e se aproximou tentando ser simpático.
__ É, é bão pra rebatê puera. E pra não deixar o assunto morrer, perguntou de onde era o boa gente.
__ Sô do mundo. Respondeu o freguês. _Ora aqui, ora lá, paru ondi encontru trabaio.
Depois de colocar uma moeda sobre o balcão pelo pagamento da bebida, o forasteiro se despediu ouvindo um "boa sorte".
A sombra projetada rumo ao leste indicava duas da tarde, apressou o passo, a fazenda Boa Esperança ainda estava pra mais de três quilômetros. Quando atravessou o morro do Cristo Redentor avistou as primeiras nuvens de fumaça e pode sentir o cheiro forte e adocicado que ele conhecia tão bem. O calor estava sufocante, as roupas empoeiradas grudavam no corpo, um banho no rio viria a calhar, mas ele estava com pressa. Pela descrição dada na estação de trem a casa era branca, com portas e janelas vermelhas, a primeira depois do mata-burros junto a porteira. Aproximou-se do alpendre e bateu palmas. Foi atendido por uma vira -latas pequena e barulhenta, que surgia dos fundos da casa com a nítida intenção de dar as boas vindas ao intruso com uma bela mordida em sua bota. Quando se preparava para dar uma bica na fuça da bichinha a porta se abriu, e uma senhora gorda e baixa aparentando meia idade gritou:
__Titica, pra dentru! A cadelinha obedeceu de má vontade, mas ficou observando o estranho por entre as pernas de sua dona que perguntava ao homem o que ele desejava.
__ Pur favô dona, quiria prosiá cum seu Dominguinhos.
__ Momentu. Disse a mulher após uma passada de olhos na figura do andante.
O turmeiro Dominguinhos era um homem desconfiado, chegava aos pouco e mantinha distancia.
__ Duminguinhos a seu dispô!
O estranho depois de tirar o chapéu em sinal de respeito e incomodado pela distancia falou:
__ Sube no município que aqui na fazenda admite cortadô di cana e vim oferecê meu sirviçu.
Seu Dominguinhos quando se deu conta de que o estranho era apenas mais um desempregado dos canaviais relaxou.
__ Deu sorti, tô cuma vaga pro lugá du falicidu João pretinho. E emendou perguntando:__ Pra quais usina ocê já trabaiou?
__ Passus, Itaiquara, São João da Boa Vista e Ribeirão.
__ Tá bem batido hein!. Comentou o turmeiro num tom de critica.
O estranho falou que muitas usinas haviam mecanizado os cortes, com isto sobravam bóias frias que batiam pernas atrás de serviço. Seu Dominguinhos sabia disto, e por um momento seu rosto demonstrou a preocupação que lhe causava ‘a chegada do progresso. Mas não era sobre isto que queria pensar agora, pois agora, ele era alguém com algum prestigio na fazenda.
Após o acerto de salário pago por metro de cana cortada, o turmeiro encaminhou o estranho para um morador da colônia Usina onde sabia que tinha um quarto pra alugar com comida e roupa lavada. Despediram-se e quando o outro já estava longe, seu Dominguinhos lembrou que ainda não sabia o nome do estranho, fez a pergunta gritando:
__ Hei! Quar é seu nomi? O outro se virou para responder:
__ Antonio Furtado!
Os meninos João preá e Luiz perninha esperavam por Coelho no ponto, onde passaria o caminhão de bóias frias que os levaria pros alqueires daquele dia. Os dois primeiros já eram veteranos, com mais de ano no corte de canas, mas Coelho iria debutar na obrigação. Primogênito de uma leva de seis filhos órfãos de pai, o menino João preá, nos primórdios de seus treze anos, já carregava o fardo de substituir seu pai, finado João pretinho no sustento da família. Com um topete moldado com gordura de porco, Luiz perninha, com ares de troça, chamava a atenção do amigo preá para a chegada do novato Coelho. Este, com um enorme sombreiro de palha e desfilando um embornal quase do seu tamanho, disfarçava o nervosismo demonstrando a mesma tranqüilidade que se via no fogo das queimadas sem controle.
Quando o caminhão parou, o menino Coelho subiu com cuidado na boléia, as palavras de recomendações de mãe Dita ainda estavam vivas em sua mente, elas lembravam o ocorrido com Luiz perninha, que ganhara este apelido depois de uma queda do caminhão que lhe deixou manco e com uma perna mais fina que a outra.
Apesar da ansiedade que agride os principiantes e provoca mal estar nos intestinos, o menino estava feliz. Seu visinho de eito era nada menos que Antonio Furtado, pensionista em sua casa, um mestre na arte de cortar canas, só perdia para o senhor Isidoro que costumava se gabar:
__Homi!, num sei iscrevê meu nomi i tá aqui meu dedão qui num me dexa mintí, mas num eito di cana, tá pra nascê um cabra capaiz de vencê eu i meu facão.
E era verdade, senhor Isidoro era o único cortador de canas na fazenda capaz de vencer num só dia, um eito com cinco fileiras e duzentos metros de comprimento. Era um solteirão, seus pais morreram há muito tempo, e sendo filho único ficou só na casa, e a casa era grande demais pra ele, por isso resolveu abri-la nos finais de semana para o grupo de baralho.
Antonio Furtado estava feliz por ter o menino Coelho a seu lado, conhecia a sua história, igual a sua e de muitos meninos que conhecera e que tiveram seus sonhos enterrados nos canaviais.
O primeiro dia de trabalho no canavial para um menino é inesquecível, só comparado com uma surra de porrete. No final do dia de sua iniciação, Coelho sentia tantas dores nas pernas que chegou a desejar não tê-las, e em suas costas, alguma coisa que parecia sem conserto estava arrebentada. No segundo dia ele já odiava sua profissão.
Desta forma eram moldadas em velhos as crianças nos canaviais, mãos calejadas, rosto marcado por cortes de folhas de cana, corpo curvado nos exercícios, pele queimada de sol..., e o aparecimento de doenças como a que aposentou seu Batista pai de Coelho e a que matou João pretinho pai de João preá.
Antonio Furtado encontrara na família do senhor Batista o bem estar e a tranquilidade que tão bem nos faz o convívio com as pessoas de quem gostamos. Dos membros da família, Coelho era o que mais se tornara ligado a ele, os dois passavam horas conversando, a ponto de dona Dita pedir para o menino deixar o rapaz em paz, mas Antonio retrucava sempre:
__ Dexa disso dona Dita, eu gostu di prosiá cum eli.
Numa das conversas entre os dois Coelho perguntou a Antonio:
__Sô Antonio, si a terra é tão grandona, pur quê tá na mão di tão pocus?
Enquanto Antonio pensava na pergunta, lembrou-se de uma história que seu pai lhe contara e relatou ao menino. A história falava de um tempo em que na terra existia só um homem e uma mulher como criaturas, e eles pecaram contra seu criador. Aborrecido, o criador resolveu passar o comando da terra para um anjo. Com o passar do tempo este anjo tornou-se egoísta e mesquinho, e resolveu vender a terra para os homens, com isto, os que tinham alguma posse adquiriam pedaços da terra de acordo com ela, e os que nada possuíam, eram obrigados a pagar com trabalho a moradia e a vida nestas terras.
Depois de ouvir com atenção, Coelho perguntou ao rapaz:
__ Essas coisa aconteceu há tantu tempu e ainda aconteci nus dias di hoji, qué dizê intão qui será sempri assim?
Antonio sorriu da esperteza do menino, e acariciando sua cabeça começou a falar de homens que lutavam para acabar ou pelo menos minimizar estes abusos, que permitem que os proprietários de terras tornem os que trabalham para eles seus escravos.
__ I comu issu é pussívil? Perguntou o menino. __ Estis homis pur acasu são Deus?
__ Não! Mais são homis di poder, homis du guverno eleitus pelu povu, qui lutam por uma mió repartição di terra. Estis homis defendi cum seus trabaio nu guverno uma mudança, ondi as terra não prudutiva seria tirada de seus donus e repartidas entri aquelis que num tem dinhero prá comprá mas tem a força do trabaio pra torná elas mãe dos alimentu.
__ Nossa! Estis homi pareci o Robi Ud né? Tira dos ricu e dá pos pobri.
Antonio sorriu com a comparação de Coelho, mas verificando a hora avançada deu-lhe boa noite e dirigiu-se para seu quarto, onde se deitou mas não dormiu. Seus pensamentos viajaram para muitos lugares, lugares como aquele, onde o dinheiro separava os homens em senhores e miseráveis, em donos e escravos.
Os grupos de baralho
Os dias úteis de trabalho na fazenda eram longos e cansativos, demorava chegar os finais de semana, quando á noite, ainda cansados pela labuta, os cortadores de cana se reuniam nas casas onde se jogava baralho enquanto mulheres e crianças ouviam e comentavam as novelas da rádio Piratininga.
Jogadores que freqüentavam uma mesma casa eram chamados de grupo. O grupo que o pai de Coelho freqüentava era o da casa de senhor Isidoro, onde se reuniam os visinhos mais próximos, foi nela que senhor Batista apresentou seu pensionista Antonio Furtado.
Em casa, Coelho aprendera a ouvir as paredes com sua mãe dona Dita e em uma de suas escutas ouviu na parede do senhor Ari, guarda do portão da usina e também freqüentador da casa de senhor Isidoro, alguma coisa relacionada aos grupos de baralho e de um convite feito pela casa grande. Comentou o que ouviu com seu pai, e no dia seguinte, dia de jogo, senhor Batista não bebeu e recomendou a seu pensionista que fizesse o mesmo, _ queru que ocê isteja bem conscienti para u qui vai presenciá hoji.
Antonio Furtado entendeu o recado, e matutou com seus botões:_ Já vai começá! As lembranças vieram como páginas de sua história. Ele sabia que estava num dos últimos redutos de cortadores de canas, por onde passou a história se repetiu, máquinas, conseqüentemente desempregos, ali não seria diferente. Seu peito acusava a dor que brotava, dor de saudade, de quando os verdes canaviais recebiam seus predadores com fome de vida. Morriam sempre, para renascerem no ano seguinte, e novamente sucumbirem frente aqueles que os tinham como deuses da provisão, porque só os deuses renascem, para vestir e alimentar as crianças, para fazer viver o matuto, o homem do campo, aquele que maltrata seu meio apenas para vegetar. Ele viu, viveu e sentiu por onde passou a dor, a desgraça, e o desespero de famílias que só queriam morrer fazendo o que sempre fizeram, plantar e cortar cana de açúcar.
Antonio não bebera no jogo de cartas, e em dado momento, quase de madrugada, pensou que sua imaginação fora longe demais, nada iria acontecer. Mas bastou senhor Ari, o guarda, se despedir, que uma coisa pouco comum aconteceu com os demais participantes. Depois da certeza de poderem confiar nas paredes, começaram a falar sobre direitos, depois falaram de sobrevivência, voltaram a falar de direitos e terminaram falando de sobrevivência. Alguém pigarreou, fez de propósito, os participantes correram as vistas a procura do inconveniente, senhor Batista corou, era seu pensionista. Depois de conseguir a atenção de todos, Antonio começou a falar:
__ Sinhores mi discurpem, sei que pur ser u mais novu du grupo eu divia só escuitá, i ao falá siria pra concordá cum tudo e cum todus. Já vivi esta cena em otrus lugares, já joguei baraio em otrus grupos e juntu com os colegas destis grupo, eu debati e tomei parti nas decisão. Adquirí ixpiriência suficienti pra sabe, que nu finar di tudo, as decisão tendi sempri pra rendição e aceitação du qui nus é impostu pelus donus das terra. Então eu pregunto:
__ Qui poder são estis qui fazem cum qui dependemos du trabaio sem u pussuir? Qui poder são estis qui fazem os donus du trabaio dependê cada veis menus deli?
__ Tenhu me preguntadu o purquê das coisas acontecê de tar manera, qui nóis qui dependemus du trabaio, não conseguimus u direitu de cuntinuá trabaiano. Us poderosos são capais di tirá di nóis até a crença num Deus, qui fala de iguardade entre os homis, purque o dinheiro si incarrega de separá us homis em escravus e sinhoris. I inquantu tamos aqui, discutindu as mididas tomadas pelus donus di nossus distinus, não podemos dexá di pensá qui u sustentu de nossas famias podi ser tiradu juntu cum nosso trabaio.
Antonio Furtado calou-se , durante um momento que pareceu um século o silencio tomou conta do lugar, era possível ouvir os grilos e as pererecas no lago, alguns gostariam de estar longe dali, em suas camas, num colchão macio de palhas de milho, com cheiro de algo novo. Como nada mais se tinha pra dizer e muito pra se pensar, e pensar pode ser cada um em seu canto, seu Isidoro agradeceu a presença de todos desejando-lhes bom descanso.
De volta pra casa senhor Batista e seu hóspede fumavam em silencio, este último admirava o brilho das estrelas sobre o fundo anil, visão que o vento proporcionou ao levar a fumaça das queimadas pra longe. Tirou a ultima baforada do cigarro antes de jogá-lo noite adentro e pensou:_ Agora só resta isperá.
O primeiro de maio
O primeiro de maio era celebrado com uma grande festa na fazenda. O pátio da igreja lotava com as famílias vindas de todas as colônias, e enquanto o padre rezava a missa e abençoava o dia consagrado aos trabalhadores, já se podia sentir o cheiro de carne sendo assada.
Os meninos Coelho, João preá e Luiz perninha, impecáveis em suas roupas novas e cheirando a leite de rosas, caçavam entre as barracas as raparigas de mesma idade.
A barraca da colônia usina era comandada por senhor Dominguinhos, que fazia questão de se vestir de branco neste dia, isto inibia os que recebiam dele um abraço sempre exagerado em suas demonstrações de simpatia. Era sua maneira de demonstrar pra todos a importância da confraternização entre comandante e comandados.
Era um dia feliz! Enquanto os homens bebiam, comiam, e comentavam sobre a novidade que seria apresentada este ano pela família fazendeira, as mulheres se encarregavam das crianças e vigiavam as sacolas que iriam garantir a mistura por alguns dias.
Senhor Ari, o guarda da usina, estava ansioso. Sua visita na casa grande parece que agradou, e ele esperava ser recompensado com um aperto de mão dos fazendeiros filhos na frente de todos os moradores, seria seu dia de glória.
Por volta do meio dia, quando os participantes da festa já estavam abastecidos com arrobas de carne assada, chegou o momento mais aguardado, a presença da família fazendeira. A elite da fazenda passou primeiro pela igreja, onde fizeram suas orações de agradecimentos por tudo que já possuíam e fazendo pedidos para o que ainda queriam possuir. Acompanhados pelo padre e o médico, a família chegou na festa e todos se acomodaram no palanque, construído especialmente pra eles. As atenções da festa estavam voltadas para o palanque, e murmurinhos de admiração podiam ser ouvidos em todos os cantos.
Senhor Ari, mesmo postado em lugar estratégico, não teve o aperto de mão esperado, mas conformou-se com a idéia de que a lealdade deve estar sempre acima dos reconhecimentos.
Era um momento especial, não fosse a crise de tosse da fazendeira mãe, que sofria de asma, o silencio seria total. Enquanto o padre testava o microfone dizendo: -Alô, alô..., o fazendeiro filho mais velho repassava o discurso que preparou para a ocasião. De posse do microfone, com a delicadeza de senhor e a sabedoria dos letrados, o fazendeiro filho mais velho iniciou seu discurso lamentando a ausência do fazendeiro pai, e pediu a todos que a morte do patriarca, apesar de lamentada, não deveria tirar o brilho daquele dia. Algumas pessoas próximas do palanque concordaram com um movimento de cabeça, seu Isidoro, um pouco afastado e sentindo os efeitos do excesso de álcool, disse amém, o que assustou o padre que se preparava para cochilar.
Partes do discurso sequer foram entendidas, mas basicamente falava de agradecimentos a todos os que lutavam para que a fazenda superasse os obstáculos causados pelas concorrentes. Quando sentiu o desconforto provocado pela transpiração, o fazendeiro filho mais velho passou o microfone para o mais novo, que começou seu discurso atacando as concorrentes:
__ A fazenda Boa Esperança jamais permitirá que suas concorrentes tenham condições de vender seus produtos mais baratos que os dela, lesando com isto nossa produção. Elas não conhecem nossa força, e daqui a pouco, nós que amamos e por isto defendemos esta terra, lhes daremos o merecido troco.
Seu Batista cochichou nos ouvidos de seu pensionista:_ Devi di ser a tar da novidadi.
O fazendeiro filho mais novo olhou o seu relógio, a multidão percebeu seu gesto de impaciência para com alguma coisa, e tomando um gole de água mineral assumiu novamente o microfone pedindo a atenção de todos:
__ Irmãos operários; companheiros de ideais; apresento a vocês a resposta aos nossos concorrentes. Disse isto apontando em direção a estrada que vinha da estação de trem. Primeiro uma nuvem de poeira, depois a visão de uma gigantesca carreta transportando algo enorme, a novidade era muito maior do que todos pensavam, e em algum lugar no meio da multidão, Antonio Furtado refletia:
__ Já começô.
O monstrengo tinha mais de quatro metros de comprimento por três de largura, e o fazendeiro filho mais novo anunciava com voz emocionada:
__ Companheiros de batalha, eis aqui nossa resposta para a concorrência, uma cortadeira de cana capaz de fazer o trabalho de cinqüenta homens.
Seu Isidoro, num gesto de desafio encarou a maquina dizendo que só acreditaria vendo, no que foi atendido, pois uma demonstração da capacidade da máquina foi feita, e com os olhos esbugalhados ante a visão daquele monstrengo trabalhando, ele vomitou na roupa branca de seu Dominguinhos.
Os moradores de Boa Esperança acordaram na manhã do dia seguinte com o estridente apito da usina sendo acionado, era um aviso e convocação. A floresta de eucaliptos estava sendo devorada por um incêndio, e a população se deslocou para o local na tentativa de cercar e debelar o fogo. Depois do esforço compensado, uma constatação, a maquina cortadeira de canas estava irrecuperável, foi destruída no incêndio que iniciou no barracão onde ela estava guardada.
Nos dias seguintes, a rotina da fazenda estava mudada com o transitar da policia do município pela região. Seu Ari desta vez não foi convidado, mas sim intimado a comparecer na casa grande. Ao lado dos fazendeiros donos, um homem alto que ele identificou como sendo o delegado do município fazia anotações num bloco de papel, enquanto ele revelava que na noite após a festa houve jogo na casa de seu Isidoro, ele participou, mas como de costume se retirou mais cedo e o jogo continuou. A pedido do delegado ele fornecera os nomes dos jogadores que continuaram na casa naquela noite.
A policia chegou cedo na casa de senhor Batista, invadindo e revistando tudo, dona Dita se atirou pra cima de um deles mas acabou sendo derrubada com um safanão. O menino Coelho, armado com seu facão foi pra cima do agressor de sua mãe, mas foi contido por Antonio Furtado.
Senhor Isidoro, senhor Batista e seu pensionista, e mais cinco homens da lista de seu Ari foram presos e encaminhados para a delegacia do município, de onde alguns só sairiam depois de mortos. Dona Dita ficou louca e foi internada em um sanatório que cuida de doenças mentais na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, almas caridosas encaminharam seus filhos para um instituto que cuida de crianças abandonadas.
~~~~~~~~
A fazenda adquiriu várias maquinas cortadeiras de cana, eliminando com isto a maior parte da mão de obra nesta atividade. As famílias que viviam dos canaviais foram dispensadas, e sem trabalho e moradia, se juntaram a outras famílias nas mesmas condições num acampamento da região conhecido como "sem terras". Politicos costumavam frequentar este acampamento cadastrando seus titulos de eleitores.
~~
Numa cela escura e úmida da cadeia do município, um velho vencido pela tuberculose tinha forças apenas para murmurar:
__ É o fim!
Nenhum comentário:
Postar um comentário