domingo

No calendário do mês de junho.


Festas Juninas.
O mês de junho trás consigo o frio do inverno, mas também trás o calor de fogueiras das festas juninas.
As festas juninas embarcaram nos portos da Europa em navios que traziam imigrantes para o Brasil.
Em nossa terra, estas festas de cunho religioso se incorporaram a cultura popular enriquecendo o nosso folclore.
Quermesses, danças de quadrilha, correios elegantes, leilão de prendas, o traje caipira, as comidas e bebidas típicas como o bolo de fubá, pinhão, pipoca, vinho quente, quentão e muitos outros, são os ingredientes necessários para uma grande festa.
Desnecessário é o uso de fogos de artifícios e balões que provocam incêndios e queimaduras.
Em muitas cidades do país, as festas juninas se tornaram a principal manifestação popular, turística e religiosa, e as homenagens aos 3 santos, São João, São Pedro e santo Antonio, patronos das festas juninas, se estendem por todo o mês de junho e atraem visitantes de todos os cantos do país.
Portanto, procure na sua comunidade o “arraia” mais próximo e viva São João uai!
E para entrar num clima rural, típico das festas juninas, vamos falar de um personagem importante neste mês, o caipira! Porque onde têm festa junina têm caipira, o cê sabi né?
E quando falamos de caipiras, não têm como esquecer das piadas que envolvem nosso personagem e, claro que a gente não ia perder a oportunidade de contar algumas, então:

Ria Por Favor
Piadas de caipira
A mulher está esperando o trem na plataforma da estação ferroviária, super apertada, com vontade de urinar.
E para variar, o trem estava atrasado, e se ela perde esse não consegue chegar a tempo no serviço. Mas o trem não vem, e a vontade de fazer xixi aumenta. Ela olha para o relógio, será que dá tempo? Mas e se o trem chegar justo na hora em que ela já estiver no banheiro?
Ela se torce daqui, se contorce dali, até que não consegue mais e vai ao banheiro.
Quando ela volta, o trem havia chegado e já havia partido.
Inconformada, ela senta no chão e começa a chorar. Ao vê-la assim, um caipira se aproxima de mansinho e diz a ela, solidário:
_Ô dona! Pur que esta choradeira toda?
_É que eu fui fazer xixi e o trem partiu! – Explica a mulher.
E o caipira:
_Uai, mas a sinhora já num nasceu cu trem partido?



Numa sala de aula, três caipiras faziam um C.A.P.P.CA (Curso de Alfabetização Próprio Para Caipira Analfabeto). O professor diz para o primeiro caipira.
_Fale-me um verbo.
_Bicicreta!
_Em primeiro lugar, o nome correto é bicicleta e além disso não é verbo!
O professor então pede ao segundo caipira:
_Fale-me um verbo.
_Prástico!
_Em primeiro lugar o nome correto é plástico e também não é verbo!
Por fim o professor se dirige ao terceiro caipira e pede que ele fale um verbo.
_Hospedar!
Muito bem! Até que enfim alguém responde certo uma questão, agora forme uma frase com esta palavra.
E o terceiro caipira todo orgulhoso diz:
Hospedar da bicicreta são de prástico!



Um caipira está voltando para sua casa com sua mula quando encontra um conhecido que pergunta:
_Onde ocê arranjou isso?
E a mula responde:
_Ganhei na rifa!



Uma equipe de televisão vai entrevistar o matuto, lá no ermo. Pergunta a repórter:
- Pro senhor, quais são as três melhores coisas do mundo?
- Dinheiro, muié e o bicho-de-pé.
- Bicho-de-pé?!
- Craro, uai! De que adianta dinheiro e muié, se o bicho não fica de pé?


O matuto chega em São Paulo e tem a maior dificuldade para atravessar uma avenida. Pede ajuda para um guarda, que está de saco cheio e diz:
- Se quiser, levo você para o outro lado, mas cobro dez reais.
- Não tenho esse dinheiro, não! - Diz o caipira, segurando a carteira no fundo do bolso.
Anda um pouco pela calçada e vê uma mulata gostosona, usando um short e uma blusa decotada coladíssima no corpo. A mulher anda para lá e para cá, rebolando e balançando a bolsa. O caipira se aproxima dela e pede ajuda. Ela diz:
- Vamos?
E o matuto pergunta;
- Quanto é?
- Cem reais!
- Tá doida, moça? Por esse preço, prefiro ir com o guarda, sô!



O cara, da cidade grande, vai visitar os parentes, na roça. Está lá, curtindo aquela bucólica paz do campo, desfrutando da natureza, observando os animais. . .
De repente, nota um porquinho com apenas três pernas. No lugar da perna que falta, foi colocado um pedaço de madeira com uma rodinha rolimã, e o porquinho anda normalmente. O cara pergunta sobre aquilo e o primo caipira explica:
- Ah! Essa é uma história muito triste. Esse porquinho é muito querido por todos nós. Você calcule que, um dia, o meu caçula foi sozinho tomar banho no riacho e começou a se afogar. Esse porquinho viu o menino se debatendo na água e veio correndo até em casa avisar. Fez o maior escândalo, até a gente seguir ele e chegar ao riacho a tempo de salvar o menino. Por isso, todos querem muito bem a esse porquinho.
- Bom, tudo bem. Mas até aí você não explicou por que ele só tem três pernas e anda com esse rolimã.
- Ora, um porquinho tão querido assim, a gente não tem coragem de comer inteiro. A gente só tira um pernilzinho, de vez em quando. . .



Um dia, um caipira foi entregar o leite na casa do patrão bem na hora do almoço e foi convidado para comer com a família. Com vergonha de sua falta de modos, ele preferiu não aceitar. O patrão insistiu:
- Coma conosco.
E o caipira:
- Não, brigado.
- Coma conosco, está uma delícia!
- Ah, tudo bem, acho que vou experimentar um conosquinho, então.


Chegando do interior, o caipira é abordado por uma prostituta que lhe oferece seus serviços. Ele olha desconfiado e pergunta:
-´Cê faiz qui nem a Rosa?
-Lógico! Faço qualquer coisa, vamos?
Vão. Depois de completo o negócio, a piranha pergunta:
-Foi bom?
-Bom, foi! Mas ´cê não faiz igual a Rosa?
Intrigada, ela torna a fazer, ele torna a perguntar. Ela usa todos as técnicas que sabe - de 69 a frango assado - ele continua perguntando:
-´Cê faiz qui nem a Rosa?
A putona esbraveja:
-Porra! O que é que essa Rosa faz que eu não faço?
-A Rosa faiz fiado, uai!



O caipira chega ao banco e procura o gerente:
- Posso falar com o senhor?
- Claro, pois não! Pode sentar!
- Se o senhor não se incomoda, eu gostaria que a gente conversasse ali no fundo.
- Ora, mas por quê?
- É que eu estou precisando de um empréstimo e me disseram que apesar de trambiqueiro, no fundo o senhor é um bom sujeito!



O caipira comprou um sítio no meio de um matagal e sozinho, começou a trabalhar. Capinou, arou, construiu um galinheiro, um pomar, fez uma horta e uma casinha de dar inveja aos seus vizinhos.
Um dia, o padre resolveu aparecer por lá para pedir um donativo e comentou:
- Que belo trabalho vocês fizeram aqui!
- Vocês?
- Sim, você e Deus!
- Ahhh! Mas o senhor precisa ver como é que tava isso aqui na época que Ele cuidava sozinho!



O caipira vira-se para o compadre e pergunta:
- Ô cumpadre, é verdade que bispo é muito mais importante que padre?
- É, sim!
- Entonces a partir de agora eu vô chamá ocê de cumbispo!

quarta-feira

domingo

Só mais um texto de blog.

Texto de Mentor Muniz Neto, diretor de criação e sócio da Bullet, uma das maiores agências de propaganda do Brasil, sobre a crise mundial.


"Vou fazer um slideshow para você.

Está preparado?

É comum, você já viu essas imagens antes.

Quem sabe até já se acostumou com elas.

Começa com aquelas crianças famintas da África.

Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele.

Aquelas com moscas nos olhos.

Os slides se sucedem.

Êxodos de populações inteiras.

Gente faminta.

Gente pobre.

Gente sem futuro.

Durante décadas, vimos essas imagens.

No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.

Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados.

São imagens de miséria que comovem.

São imagens que criam plataformas de governo.

Criam ONGs.

Criam entidades.

Criam movimentos sociais.

A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza.

Ano após ano, discutiu-se o que fazer.

Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta.

Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo.

Resolver, capicce?

Extinguir.

Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta.

Não sei como calcularam este número.

Mas digamos que esteja subestimado.

Digamos que seja o dobro.

Ou o triplo.

Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.

Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse.

Não houve documentário, ONG, lobby ou pressão que resolvesse.

Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia. Bancos e investidores.

Como uma pessoa comentou, é uma pena que esse texto só esteja em blogs e não na mídia de massa, essa mesma que sabe muito bem dar tapa e afagar...

Se quiser, repasse, se não, o que importa?

"O nosso almoço tá garantido mesmo..."

sábado

RIR É O MELHOR REMÉDIO

Piadas de português. Cultura pop brasileira.

E aqueles visitantes de uma terrinha distante...
Joaquim e Manuel resolvem ir caçar. Vão até uma fazenda e alugam espingardas, munição, e cinco cachorros. No dia seguinte bem cedinho se embrenham na mata.
Da fazenda dá para se ouvir os tiros: Pá, pá ,pá,pá...
Depois de uma hora voltam a fazenda, contentes e superanimados. O fazendeiro então pergunta pra eles: _E então, vieram buscar mais munição?
_Não sinhoire! – responde o Manuel. _ Viemos buscaire mais cachorros, aqueles nos já matemos...

Uma meiga história: O menino e o cachorro
Manuelzinho e seu fiel cachorro Rex iam a escola juntos, todos os dias, ano após ano, durante doze anos. Quem quisesse vê-los juntos, era só ir para a janela de manhã cedo que as sete em ponto passavam os dois, Manuelzinho e Rex.
Até que um dia Manuelzinho passou a ir pra escola sozinho, e todo mundo reparou. Uma senhora que morava perto da escola, não resistiu ‘a curiosidade e perguntou para o portuguesinho:
_Mas o que houve? O cachorrinho morreu?
_Não, ele se formou!

Tirando o atraso
O português chega ao prostíbulo e pergunta pra dona do local:
_Quanto custa para levaire pra cama uma de suas prostitutas?
_Depende do tempo – responde a mulher.
_Suponhamos que estaires a chover!!!

Erro médico
Manuel procura uma clínica tossindo que nem um condenado. O médico lhe examina o peito, os pulmões e conclui:
_É Manuel!, o negócio ta feio! Você terá que passar a fumar no máximo dez cigarros por dia. Você acha que consegue?
_Consigo! Consigo sim doutoire!
Uma semana depois o Manuel volta tossindo mais ainda. O doutor se espanta:
_Não é possível! Você tomou os remédios que lhe passei?
_Tomei! Tomei sim sinhoire!
_E fumou no máximo dez cigarros por dia?
_Fumei! Fumei sim sinhoire!
_Então vamos ter que diminuir para no máximo cinco cigarros por dia. Você acha que consegue?
_Consigo! Consigo sim sinhoire!
Passa uma semana e o Manuel volta ainda pior. O médico não acredita:
_Puxa vida, a coisa está pior do que eu pensei! Vamos ter que cortar os cigarros de vez! Você acha que consegue?
_Claro que consigo doutoire! Ieu nunca fumei, o sinhoire é que mandou!

Ops!
O português vem andando pela calçada quando se depara com uma placa na porta de um chaveiro:
TROCA-SE SEGREDOS. Na mesma hora ele entra sorrateiro e cochicha no ouvido do chaveiro:
_Ieu sou gay. I o sinhoire?

Uma grande idéia!
Um pneu do carro do senhor Joaquim Manuel furou diante de um hospício.
Ele desce e tira as porcas da roda, mas elas escorregam para dentro de um bueiro. Senhor Joaquim Manuel começa a coçar a cabeça desesperado em busca de uma solução, que não achou, procura em volta por ajuda e então avista o hospício.
Um dos internos que assistiu a cena do lado de dentro das grades do manicômio o aconselha:
_Tire uma porca de cada uma das três rodas que está no carro e coloque na roda que ficou solta,assim, todas ficam com três porcas e o senhor pode chegar até uma borracharia.
_Fenomenal, ó gajo! Muito boa a sua idéia...Obrigado! Olhe, eu não sei por que tu estás ai dentro...
_Eu estou aqui por que sou doido, não por que sou burro!

quinta-feira

HOJE ENCONTREI SEU CÃO

Uma crônica
Hoje encontrei seu cão. Não, ele não foi adotado por ninguém, a maioria das pessoas já tem vários cães; aqueles que não tem nenhum não querem nenhum cão. Eu sei que você esperou que ele encontrasse um bom lar quando o deixou aqui, mas ele não encontrou.
Quando o vi pela primeira vez, ele estava bem longe da casa mais próxima e estava sozinho, com sede, magro e mancava por causa de um machucado na pata.
Eu queria tanto ser você naquele instante em que parei na frente dele. Para ver sua cauda abanando e seus olhos brilhando ao pular nos seus braços, pois ele sabia que você o encontraria, sabia que você não esqueceria dele. Para ver o perdão em seus olhos pelo sofrimento e pela dor que ele havia passado em sua jornada sem fim ‘a sua procura...
Mas eu não era você. E apesar das minhas tentativas de convence-lo de se aproximar, seus olhos viam um estranho. Ele não confiava em mim. Ele não se aproximava. Ele virou as costas e seguiu seu caminho, pois tinha certeza de que este caminho o levaria até você. Ele não entende que você não está procurando por ele. Ele só sabe que você não está lá, sabe apenas que precisa te encontrar. Isso é mais importante do que comida, água ou o estranho que lhe pode dar estas coisas.
Percebi que seria inútil persuadi-lo ou segui-lo. Eu nem sei seu nome. Fui pra casa, enchi um balde d´água e uma vasilha de comida e voltei ao lugar onde o havia encontrado. Não havia nem sinal dele, mas deixei a água e a comida onde ele havia buscado abrigo do sol e um pouco de descanso. Veja bem, ele não é um cão selvagem. Ao domesticá-lo, você tirou dele o instinto de sobrevivência nas ruas. Ele só sabe que precisa caminhar o dia todo. Ele não sabe que o sol e o calor podem custar-lhe a vida. Ele só sabe que precisa encontrar você!
Aguardei na esperança de que voltasse a buscar abrigo sob a árvore, na esperança de que a água e a comida que havia trazido fizesse com que confiasse em mim e eu pudesse leva-lo pra casa, cuidar do machucado da pata, dar-lhe um canto fresco para deitar e ajuda-lo a entender que agora você não fazia mais parte de sua vida. Ele não voltou aquela manhã e, quando a noite caiu, a água e a comida permaneciam intocadas. Fiquei preocupado. Você deve saber que poucas pessoas tentariam ajudar seu cão. Algumas o enxotariam, outras chamariam a carrocinha, que lhe daria um destino da qual você achou que o estava salvando – depois de dias de sofrimento sem água ou comida. Voltei ao local antes do anoitecer. Não o encontrei.
Na manhã seguinte, voltei e vi que água e a comida permaneciam intactas.
Ah, se você estivesse aqui para chamar o seu nome! Sua voz é tão familiar para ele. Comecei a ir na direção que ele havia tomado ontem, sem muita esperança de encontra-lo. Ele estava tão desesperado para te encontrar, que seria capaz de caminhar muitos quilômetros em 24 horas. Algumas horas mais tarde, a uma boa distancia do local onde eu o havia visto pela primeira vez, finalmente encontrei seu cão. A sede não o atormentava mais. Sua fome havia desaparecido e suas dores haviam passado. O machucado da pata não o incomodava mais.
Agora seu cão está livre de todo esse sofrimento. Seu cão morreu.
Ajoelhei-me ao lado dele e amaldiçoei você por não estar aqui ontem para que pudesse ver o brilho, por um instante sequer, naqueles olhos vazios. Rezei, pedindo que sua jornada o tenha levado ‘aquele lugar que acho que você esperava que ele encontrasse. Se você soubesse por quanta coisa ele passou para chegar lá...E eu sofro, pois sei que, se ele acordasse agora, e se eu fosse você, seus olhos brilhariam ao reconhecê-lo, ele abanaria a sua cauda, perdoando-o por tê-lo abandonado.
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segunda-feira

NOSSA HISTÓRIA DE AMOR SEM FIM

Talvez, e haverá sempre um talvez, alguém que nada significa pra você, viveria com você uma história.
A natureza é consciente, vamos nos preparar então para viver uma consciência plena com a criação que vem da imaginação.
Imagine seus pensamentos tomando forma e poder para dar vida a uma fantasia. Esqueça tudo, exceto o que será declarado pra sua alma, mas primeiro, vamos nos despir de nossos orgulhos, do nosso ego, das certezas, e experimentar a felicidade sem regras pra seguir, pois a felicidade só é vivida e sentida. Você não acha possível? Mas tente, tente imaginar...
Imagine um lugar entre montanhas, altas montanhas que se vestem de luz o ano todo. Imagine um vale encantado onde todas as estações pintam sua natureza com as cores do paraíso. Dê asas a sua imaginação e procure comigo as imagens, me ajude a montar um cenário. Vamos imaginar a vida em um lugar, onde seus moradores poucos contatos tem com o restante do mundo. Onde todos se conhecem e se cumprimentam.
O ar puro é uma coisa legal? Você gosta de verde? Em nosso cenário colocaremos ar puro e o verde em todas as direções que olhar. Vamos passear pelo lugar e ver as casas, os rodamoinhos, chaminés que exalam o cheiro gostoso de alguma coisa defumada. Veja as rosas de vento, olhe os cercados pintados de branco, onde pastam vacas leiteiras com tetas enormes.
Consegue ver aquela casa na entrada do vale? E aquela menina com um lenço florido na cabeça, você vê? Ela está colhendo flores pra sua mãe fazer uma coroa que usará no domingo, quando fará sua primeira comunhão. Seu nome é Ana, mas chame-a de Aninha, é assim que todos a conhecem.
Agora vamos pegar carona nesta brisa que passa e atravessar o vale, em direção daquela plantação carregada de flores branca. É uma plantação de café. Seu proprietário mora naquela casa que fica entre o pomar. Olhando daqui fica difícil visualizá-la por inteiro, para isto temos que nos aproximar, aproveite enquanto caminhamos para admirar as árvores frutíferas, tem um monte delas aqui, viu as macieiras que lindas? Depois que passamos por entre algumas delas, avistaremos a casa. Você acreditaria se eu lhe dissesse que tem quartos na casa que esperam por hóspedes até hoje? Pois pode acreditar. Quem sabe não seremos nós a ocupar um deles?
O jardim desta casa fica bem em frente, olha, tem um menino com uma enxada, você vê? Se alguém lhe perguntar porque está cavando, ele dirá que está arrancando minhocas para pescar com seu pai no domingo, depois da missa, quando ele fará sua primeira comunhão. O menino é conhecido por Caíto, diferente de Carlos seu verdadeiro nome não é mesmo?
Sabe o que está faltando? A gente conhecer a igreja!
A igreja não tem padre e está sempre de portas fechadas, mas se alguém quiser entrar, é só bater palmas que a vizinha mais próxima virá atender. Se for para uma visita, ela o acompanha e conta a história de como a igreja nasceu, você ouve tomando chá com bolachinhas de leite, feitas por ela mesma, se quiser ela dá a receita. Se for para fazer uma oração, ela respeitosamente se retira encostando a porta pra que você fique a vontade.
Todas as celebrações como batizados, casamentos, crisma e primeira comunhão, são realizadas no final do ano por causa da dificuldade de acesso ao vale. O padre vem de mula uma parte do trajeto, a outra tem que ser na caminhada, mas a recepção calorosa e a estadia hospitaleira em meio aos moradores do lugar compensam o sacrifício.
Como você pode ver, nosso cenário está montado, já conhecemos os personagens, só resta contar nossa história, que pode começar numa das cerimônias realizadas na igreja. São todas bonitas, mas a de primeira comunhão eu acho especial por causa da magia da adolescência onde tudo se transforma.
Na entrada da igreja duas filas se formam, uma de meninas e outra de meninos. Os meninos parecem mocinhos com seus trajes compostos por camisa branca de manga comprida, calça azul marinho e sapatos pretos. Há! Ia me esquecendo da gravatinha borboleta, preta, para combinar com os sapatos.
A fila das meninas parece de anjos, com seus vestidos brancos e longos, luvas brancas e uma coroa de flor na cabeça. É uma fila comportada, uma ou outra mais sapeca arrisca um olhar em direção aos meninos.
Num momento importante da cerimônia, um menino e uma menina se dirigem para o altar onde irão acender as suas velas.
Foi assim que tudo começou...

Como se forças do universo se reagrupando, Caíto e Aninha acendem suas velas. Um diante do outro se olham, apenas por olhar. Mas neste olhar iluminado pelas chamas, alguma coisa extraordinária acontece. Diante do altar dos homens em homenagem a Deus, um menino e uma menina, extasiados, contemplam o paraíso.
O amor que brotou entre eles no instante daquele olhar, teria a duração que só os eternos poderiam medir. Ele, um menino criança, com o coração ainda virgem do sentimento de amar. Ela, uma criança menina, flor em botão que experimenta o gosto doce da paixão. Um momento mágico, independente de tempo ou lugar, mas que existe, guardado num misterioso ponto do universo onde somente a pureza de corações tem acesso e somente a eles é permitido sentir. Um momento extremo, quando no jardim ao lado de suas existências anjos colhem flores e cantam odes de contentamento.
Tolice nossa, mortais comuns e adultos descrentes, divagar sobre o momento deste acontecimento, pois estamos falando de sentimentos que nasceram nos corações de duas crianças.
A olhos vistos, percebe-se a diferença, dê uma olhadinha nos pais, os filhos emagrecem, tornam-se tolos e eles acreditam que isto passa.
O tempo sim, este passa e se diverte com nossa ignorância. Os amantes encontram uma formula para nos enganar, eles não querem que ninguém se preocupe com eles, querem que o mundo os deixe em paz.
Querem demais, nós sempre faremos o possível para controlá-los, eles são tão jovens...
O que parece coisas de criança vai se tornando coisas de jovens, os amantes se tocam, mas ainda é frágil a consciência do sentimento, e por isso pensamos em aconselhar:_Esperem um pouco, vocês ainda não sabem o que querem, amadureçam um pouco mais e depois veremos. Os dois amantes não escutam, para eles tudo é perfeito, tudo vale, tudo é certo, estão surdos para preocupações, apenas vivem.
As famílias se juntam, tentam achar uma solução:_Eles tem que casar, esta história está indo longe demais.
Casaram e assinaram papéis, sossegaram a sociedade e com sua permissão já podiam viver juntos. Juntos plantam sementes e colhem os frutos da sobrevivência, constroem uma morada simples que chamam de castelo, sonham simples sonhos cercados de muitos filhos.
Filhos que não viriam, estavam condenados a viver sozinhos uma mesma história que escreveram juntos, unidos numa paixão sem fim.
No vira e desvira da ampulheta do tempo, o entardecer da vida de todos nós surpreende o casal junto ainda. Aparências retocadas pelo pintor da natureza deu-lhes as cores da velhice, mas não conseguiu apagar a chama do olhar que eles insistiram em manter acesa.

Histórias começam e terminam, outras histórias precisam ser contadas, todas elas terão um fim que muitas vezes preferimos não conhecer. Caíto e Aninha tiveram seu tempo, viveram sua história, decifraram os enigmas da paixão e aprenderam os segredos da felicidade. Conheciam a existência da morte como a existência dos frutos que fornecerá as sementes a partir do momento que não tiver mais vida. É preciso morrer para continuar a existir, em outra árvore talvez, mas sempre o mesmo fruto.
Nascer é bonito e festejamos o nascimento, mas renascer é esperança de eternidade para aqueles que amaram viver.
Um viu o outro caminhar para o fim, ajudou, deu forças, amparou e foi amparado.
Se você não quiser não entre no quarto, talvez não seja uma cena que você gostaria de assistir, mas posso ti garantir que a morte lhes emprestou feições serenas numa transição sem dor.
Pessoas do vale velaram o corpo e os plantou no jardim da casa simples, que eles chamavam de castelo.

Histórias nascem do nada e no nada se perdem, mas amores que brotam nas histórias permanecem num lugar onde tudo é eterno.
Histórias começam e terminam, outras histórias precisam ser contadas, vamos começar uma outra história juntos, você não acha possível? Mas tente, tente imaginar...

FIM

IMPAVIDUM FERIENT RUINAE


Uma homenagem aos amigos piauienses.

Meus pais foram deixados para trás, os amigos e parentes espalhados pelo sul, mas a miséria, esta fez questão de estar sempre comigo.
Resolvi dar um basta pro destino, das rédeas agora cuidaria eu. Se alguma coisa está acontecendo no mundo certamente é bem longe daqui.
O que era meu coube num saco que amarrei a boca, joguei nas costas e, me desembestei por este mundão. Meu cachorro queria vir comigo, não deixei, onde um vira-latas come falta comida pro outro. Beijei pai, beijei mãe, pedi a benção e parti sem destino, pra onde a estrada me levava.
Só conhecia meu buraco natal e seus arredores, mas tinha consciência de que o mundo era redondo e grande, caminhava descalço, minhas botinas não ia durar nada neste chão seco e duro destas bandas de sertão.
Cruzava com andantes e perguntava o nome das terras onde pisava, queria evitar andar em circulo. O objetivo era seguir sempre em frente, desconfiava que minha sorte estava distante, numa linha reta e comprida. Caminhava durante o dia e dormia durante a noite, meu travesseiro era o saco de pertences e a luz do luar o cobertor. Na roça de Deus eu me alimentava, comia jambo, estraçalhava os ingás pra comer suas sementes, e bebia água da raiz do umbuzeiro. Mas eu sonhava, sonhava com riquezas, ou pelo menos com a sorte de quem luta para ter vida melhor.
Três dias de caminhada e topei com uma vila, deveria ser dia santo pois estava acontecendo uma procissão. Procissão de miseráveis, a maioria andava descalça como eu, e pela quantidade de pessoas, a vila toda deveria estar ali. O andor carregado por quatro homens transportava um santo magro e silencioso, que prestava atenção nos cânticos em sua homenagem. Resolvi acompanhar a procissão, sentia fome, um sacrifício em troca da recompensa de forrar o bucho, tinha a esperança de que o final da caminhada terminasse em festa, na igrejinha que já podia visualizar. Resolvi me fazer merecedor, corri até o andor onde escolhi o mais fraco dos carregadores que de bom grado me cedeu o seu fardo. O santo era magro mas pesado, e debaixo de um sol de esturricar chifre, até ele transpirava. Chegamos na porta da igrejinha e o milagreiro pesava ainda mais, cheguei a puxá-lo porta adentro, mas ele parecia não querer entrar. Não queria e não ia entrar. Um dos carregadores me cochichou:
_ Irmão, assim você nos mata, o santo não vai entrar aí!
Também cochichando perguntei:
_ Mas se ele não vai entrar na igreja, para onde o estamos levando?
_ Para o morro da penitencia, hoje é o dia em que vamos para o monte junto ao cruzeiro e oramos o dia todo em jejum. Olhei para os lados a procura de alguém para ceder meu lugar, mas ninguém se aproximou, tornei a falar com o irmão carregador.
_ Irmão, este monte ainda está longe? Eu sentia meu corpo tremer e as pernas bambolearem.
_ Não! É aquele com uma cruz. Respondeu ele apontando com os beiços em forma de bico. Olhei na direção indicada e percebi que a cruz era pequena, tornei a olhar e constatei que a cruz era pequena por causa da distancia que era grande. Busquei socorro no santo, mas ele permanecia mudo e sério. Fiquei curioso, achei que tinha pelo menos o direito de saber quem era aquele santo que eu carregava morro acima, e sabedor de que ele não se apresentaria tornei a incomodar meu irmão perguntando a graça do homenageado. Aborrecido por ter que ficar falando enquanto fazia sua penitencia, ele murmurou:
_ São Horácio, o protetor dos famintos! Não comentei nada, mas não pude deixar de pensar que com tantos santos protetores pra carregar, eu tinha que topar logo com o protetor dos famintos.
No pé do morro eu já sentia vertigens, achava uma boa idéia desmaiar naquela hora, um velhinho que nos alcançou olhou com pena o meu sofrimento, aproveitei pra pedir:
_ Irmão, por acaso o senhor não gostaria de purificar seus pecados tomando meu lugar? Ele balançou a cabeça querendo dizer não e diminuiu os passos, ficando bem longe de mim.
Não sei de onde tirei forças, mas a verdade é que mesmo cambaleando consegui chegar aos pés do cruzeiro. Depositamos nosso fardo sobre uma pedra onde seria o altar improvisado para a celebração, uma cantoria se iniciou entre a multidão misturando pedidos e lamentações. Como meu mal era fome e sabedor de que "daquele paiol não saia milho", fiz o sinal da cruz e me retirei. Quando descia o morro dei uma olhada em direção ao santo, acho que já estava delirando pois o santo piscou pra mim.
Fora do vilarejo deparei com uma plantação de melancias, enormes, no ponto de colheita, não me fiz de rogado, libertei três dos talos e caí de boca, seguiu-se um grande arroto e deixei-me envolver pela sonolência que tomou conta de mim, mas antes, agradeci São Horácio por matar minha fome. Acordei com a sensação de que acordava pra morrer, um vulcão na barriga entrava em ebulição, e eu descobri naquele lugar a importância das moitas. Aproveitei o incômodo pra devanear. Dias de caminhada e minha sorte não dava sinais de estar próxima, nem santo se interessava por minha causa, mas de uma coisa eu tinha certeza, em minhas veias corre sangue piauiense, eu faria meus milagres.
O sol queimava meu rosto quando acordei no dia seguinte, sentia a fraqueza de ter comido três melancias e devolvido cinco. Andei de má vontade, com a impressão de que passar fome em nosso ninho é melhor que longe dele. Avistei poeira me perseguindo, logo o barulho de patas de mula carregando peso se aproximou, passava por mim quando parou e o carroceiro gritou:
_ Hei! Pagão! Apesar de estar olhando pra mim, tive dúvidas quanto a sua intenção de falar comigo.
_ O senhor está falando comigo?
_Claro! Com quem mais poderia ser? Vê, tem mais alguém aqui? Tive a impressão de estar falando com um doido, por isto tomei cuidado com as palavras.
_ Desculpe senhor, é que meu nome não é pagão, é Ciço, de Padim Ciço.
_ Grande merda...
_ Como?
_ Nada, mas pra onde está indo o Ciço, de Padim Ciço?
Respondi que estava indo atrás de minha sorte, mas não sabia se estava na direção certa. Ele soltou uma gargalhada e me disse pra subir na carroça, pois estava indo para o mesmo lugar.
Desconfiava cada vez mais daquele sujeito, mas resolvi aceitar o convite, tava com uma baita preguiça de caminhar, mas ficaria de olho aberto.
O sacolejar da carroça, o calor, o barulho compassado e monótono das rodas sobre o chão me fizeram pegar no sono. Acho que dormi uma semana, acordei na sombra de um pé de Ipê, sentindo o aroma do café que o carroceiro preparava. Ao me ver acordado ele gritou:
_ Hei pagão, tá com fome? Eu já ia lembrá-lo de que meu nome não era pagão quando a visão de ovos mexidos no fogão improvisado me calou. Minha boca salivava tanto que eu chegava a babar, e o carroceiro dava mais uma de suas gargalhadas.
Enquanto comia eu percebia ele me observando, depois começou a falar sobre o motivo da gente estar parado ali. Disse que eu havia pegado num sono tão pesado que achou melhor parar a carroça pra que eu não caísse dela. Falei pra ele que meu cansaço era fraqueza, falei das melancias e da dor de barriga, e aproveitei pra falar mal de São Horácio, pois achava que a culpa de tudo era dele. O carroceiro se contorcia com suas risadas, e eu tive a confirmação de que ele realmente era maluco.
Depois de algum tempo ele disse que era hora de pegarmos estrada, colocou um chapéu meia lua na cabeça, e dois iguais nas mulas, com a diferença de que os delas tinham buracos de passagem pras orelhas.
Enquanto fazíamos nosso trajeto minha mente curiosa incomodava, já me preparava para fazer algumas perguntas quando a carroça saiu da estrada em direção a uma choupana. Sem esperar ser interrogado, o carroceiro disse que íamos fazer uma visita, já éramos esperados na porta do casebre por um casal rodeados de miséria, cumprimentaram o carroceiro chamando-o de curador. O carroceiro pediu pra eu pegar um pacote na carroça, e pela primeira vez eu pude entrar em contato com o mundo que lhe pertencia. Quando entrei pela abertura do encerado que servia de porta, um universo se apresentou diante de mim, feito de vidros e saquinhos, com pós e folhas de tudo quanto é tipo de ervas, tudo etiquetado e identificado. Pendurado na parede de lona, um quadro escrito numa linguagem que eu não compreendia dizia:
IMPAVIDUM FERIENT RUINAE
Encontrei o pacote que me fora pedido e voltei para o casebre onde era esperado com certa impaciência. Nos dirigimos até um dos quartos da choupana enquanto ele dizia para o casal que o problema dos meninos era vermes. No pacote que ele entregou pra mulher continha dois pares de alpercatas que, segundo ele, as crianças só deveriam tirar dos pés pra dormir. A visão dos meninos jogados em um velho sofá que lhes servia de cama me provocou mal estar, estavam largados, sem forças até para ver o mundo com seus olhos afundados num rosto pintado de amarelão. O carroceiro foi até a carroça de onde voltou com alguns saquinhos de ervas e colocou água pra ferver. A seu lado eu observava seu olhar compenetrado e seu jeito agora sério na maceração das ervas. Enquanto ele amaçava as folhas de genciana, hortelã, mentruz e tomilho, pra colocar na água, seu rosto me fazia lembrar de alguém que eu conhecia mas não conseguia saber de quando nem onde.
Depois dos meninos engolirem a beberagem, o carroceiro, agora curador, entregou para os pais um papel com uma formula, também lhes deu alguns saquinhos com poejo, quássia, sementes de abóbora e brotos de samambaia para que o tratamento tivesse prosseguimento. Aceitamos uma caneca de café mais parecido com água de batatas e nos despedimos, sem que o curador recebesse um tostão pela visita.
Desta maneira meu caminho até minha sorte foi se demorando, com paradas aqui e ali, onde houvesse alguém pra ser curado ou até mesmo pra receber algumas palavras de animo. Em um vilarejo ficamos o dia todo visitando casas, o curador me entregou pra ler um caderno que ele chamava de glossário, onde estava exposto todo seu conhecimento no trato com as ervas. Fiquei horas lendo e relendo as formulas escritas por ele, tudo muito claro e organizado, com palavras e nomes que eu sequer imaginava que existiam. Com muita paciência ele colocava luz sobre a minha ignorância relativa aos medicamentos da farmácia natural, começava assim meus contatos com os antissépticos que limpam infecções, os colagogos que expulsam a bílis do fígado, os hemostáticos contra hemorragias, os vulnerários para curar feridas, etc. Eu estava fascinado com todo aquele conhecimento adquirido através do tempo e as possibilidades oferecidas pela natureza. Presenciar estes conhecimentos sendo colocados em prática pelo curador, e ver os resultados nos agradecimentos daqueles que eram curados, era algo fascinante pra mim.
De volta pra estrada comecei o interrogatório, queria saber como ele sobrevivia, porquê curava de graça, se era feliz, se valia ‘a pena viver entre miseráveis que tinha que socorrer, enfim, eu quis saber se ele teve outras escolhas para seu destino. Depois de remexer suas memórias ele me disse que todos nós temos escolhas. Na minha idade ele também pensou em ir embora, buscar sua sorte em outras terras e deixar para trás aquela vida de carências. Mas quando olhava o que deixaria para trás, seu coração se amargurava vendo a luta de seu povo pela sobrevivência. A falta do mínimo para ter saúde, para ter educação, alimentação, enfim, uma vida digna, mesmo que simples. Isto era o que ele abandonaria, seu povo sofrido mas teimoso em viver. Quanto ‘a felicidade, ele a conheceu no primeiro minuto em que decidiu ficar entre os seus e enfrentar com eles as dificuldades, porquê acreditava que elas podiam ser vencidas, a isto ele chamou de fé, algo que nosso povo valente possui com sobras. Sua sobrevivência era suprida pelos que podiam pagar, porque doença não escolhe só a pobreza pra existir.
As palavras do curador penetravam meu ser como cupins penetram as entranhas da madeira mais resistente e provocava abalos nos alicerces do meu destino. Com dificuldades para expressar os sentimentos que se apossavam de mim, eu lhe disse que gostaria de viver como ele. O curador soltou uma gargalhada que ecoou por toda caatinga e cerrados da região, neste momento eu senti medo do poder das palavras que acabara de lhe dizer.
Três meses passamos juntos para me dar conta de que minha sorte, cansada de esperar por mim, veio ao meu encontro. E neste mundo redondo e grande, as paisagens se repetiam, os lugares eram reconhecidos, eu estava voltando. Reconheci a plantação de melancias e paramos na entrada do vilarejo onde carreguei São Horácio em vão, o curador desceu da carroça e disse que iria ficar por ali, estranhei, mas ele, dono das respostas, relatou o final da história.
_ Agora que você encontrou sua sorte e está preparado pra ela, já pode se virar sozinho, siga o glossário, renove o estoque e, quanto a seu espírito, se ele fraquejar, lembre das palavras escritas naquele quadro. Eu lhe disse que lembrava das palavras mas não sabia o significado. Ele disse que elas significavam o lema de nosso povo:
IMPAVIDUM FERIENT RUINAE significa:
AS DIFICULDADES NÃO ME AMEDRONTAM.
O curador se afastou deixando em minhas mãos as rédeas da carroça e do meu destino, mas antes do desaparecimento ele me olhou pela última vez e piscou pra mim, neste momento eu tive a certeza de quem era ele.
FIM

O DOIDO DO Nº 63


Se você é uma das pessoas que passa ou já passou pela Júlio Pereira que faz esquina com a avenida São Paulo-Rio, no centro do bairro de Itaiquara, certamente identificará o local. Os moradores da Júlio Pereira, assim como a maioria no bairro, jamais servirão como exemplo de amor à natureza. É uma rua fria, sem vida, com um ou outro vaso de comigo-ninguém-pode esquecido num canto de alguma garagem. Pássaros? Só pardais. Nas calçadas ainda se vê restos de árvores que a prefeitura plantou no ano passado.
No entanto, se você caminhar em direção ao final da rua, perto da linha do trem, você vai se deparar com uma visão que certamente encherá seus olhos de admiração, um verdadeiro oásis, um lindo jardim com pequenos arbustos, samambaias que descem dos vasos como água de cachoeira, uma variedade enorme de flores e pasmem, periquitos, canários, e principalmente beija-flores voam livres no jardim.
Para quem já conhece o lugar sabe que ali é o número 63 da Júlio Pereira, o que talvez nem todos saibam, é que ali morava um doido.
Alguns moradores mais antigos da rua ainda se dividem quanto ao verdadeiro nome do morador do 63, eu, quando vim morar nesta rua no número 59, já encontrara o mesmo batizado pela alcunha de doido. A principio eu evitava usar este tipo de tratamento para com alguém que sequer conhecia, mas com o passar do tempo e dos acontecimentos, também adotei tal qual os demais moradores o hábito de chamar o morador do 63 de doido, e isto porque cheguei a conclusão de que nem o próprio se importava de ser chamado assim. Constatei isso ao presenciar uma cena que envolveu nosso personagem.
Era um domingo e alguns meninos jogavam futebol na rua, o atrevimento por estarem jogando em frente ao temível endereço se devia ao fato da rua estar cheia de moradores que, como eu, aproveitava o dia para lavar o carro e falar das últimas novidades, principalmente relacionadas ao futebol. Em determinado momento percebi que a bola que os meninos jogavam caiu dentro do quintal do 63, parei com o que estava fazendo e comecei a observar o desfecho do acontecimento, percebi a indecisão dos meninos, era uma bola nova, mas como recupera-la? Nem o mais valente deles se atreveria a incomodar o doido. Se ao menos a Angelina estivesse ali...
Depois de alguns minutos de confabulações e discussões, decidiram que todos executariam a ingrata tarefa, aproximaram do portão tão juntos que pareciam grudados, e como um coral afinado, gritaram chamando pelo dono da casa:
_Senhor doido! Senhor doido! Pega a bola pra nós? Perceberam que não foram ouvidos, ainda mais porque lá de dentro da casa vinha um som de melodia, o doido estava ouvindo música. Tentaram outras vezes e em cada nova tentativa gritavam mais alto, repentinamente a música parou, os meninos mais próximos do portão se afastaram, e uma enorme expectativa aguçou minha curiosidade, finalmente eu veria o doido do 63.
Dezenas de pensamentos atropelaram minha mente que tentava imaginar como seria esta criatura tão temida e tão falada pela vizinhança. Quando ele apareceu, demorei em acreditar no que meus olhos viam, não podia ser ele! Estatura mediana, magro, com uma palidez que impressionava, não fosse pelo grisalho da cabeça eu diria, pela distancia em que me encontrava, que olhava para um menino.
Ele caminhou em direção da bola com uma estranha calma, os meninos em silêncio esperavam, inventei um pretexto para me aproximar um pouco mais e percebi que ele mancava de uma perna, minha decepção aumentou, ainda por cima é aleijado pensei. Os meninos receberam a bola e agradeceram, ele não respondeu e voltou pra dentro de casa.
Era noite e eu ainda pensava no ocorrido pela manhã, pensava que se não tivesse presenciado aquelas cenas tudo estaria bem , mas porque cargas-d’água eu não conseguia esquecer aquele endereço?
Em meus pensamentos eu avistava a casa com o jardim bem cuidado, aquele homem tão temido porem de aparência tão frágil, e no ar o som de melodias.


Nos dias seguintes me dediquei a cultivar um jardim. Comprei terra fértil, pó de osso, semente de flores variadas e um duende de gesso pra colocar no meio do jardim, dizem que dá sorte!
Todas as tardes, após chegar do trabalho eu molhava o jardim. Poucas sementes germinaram e logo morreram, vizinhos entendidos disseram que era excesso de água, morreram afogadas. Uma nova plantação de sementes e nova decepção, os vizinhos disseram que era falta de água, morreram de sede.
Uma análise dos acontecimentos e uma decisão, desistir jamais, eu teria um jardim nem que pra isto tivesse que virar doido. Optei por plantar sementes de flores que se não eram tão bonitas eram mais resistentes, como as margaridas, os cravos, e alguns tipos de beijos.
As novas medidas deram resultados, algumas sementes brotaram e chegaram a atingir o tamanho ideal de mudas que seriam plantadas em lugar definitivo, mas aí vieram as formigas...
Num sábado pela manhã após destruir o formigueiro, eu preparava novamente a terra quando alguém me chamou, olhei em direção ao portão e deparei com a menina Angelina. Ela me perguntou se eu estava fazendo um jardim, respondi que sim, então ela disse que meus esforços seriam inúteis se eu não mudasse o lado do jardim. Se até aquele momento eu não estava dando muita atenção ao que a menina me dizia, as coisas mudaram de figura e perguntei-lhe o por quê de tal afirmação. Ela me explicou que o lado que eu escolhera para fazer meu jardim batia muito sol, e ventava também, as plantas não gostavam disto. Fazia sentido, mas era a afirmação de uma criança, então perguntei:
_ E quem lhe ensinou isto?
_ Foi um amigo meu, ele entende de jardim, conhece as necessidades das plantas e sempre me diz:_ Amiga Angelina, se você quer conhecer as necessidades de uma planta, tem de perguntar a ela o que lhe está faltando, disse as últimas palavras seguidas por um tchau e se foi, equilibrando-se com graciosidade sobre seus patins. Resolvi que deveria conquistar a amizade da menina.


Deu certo! Longe de ser ainda o meu sonhado jardim, todas as sementes germinaram, até uma muda de orquídea e outra de rosa branca exibiam brotos que indicavam que elas estavam vivas e estavam bem. Os fracassos anteriores me ensinaram muita coisa, e a beleza do meu jardim agora dependeriam das escolhas das flores e dos cuidados que eu teria com elas.
Numa tarde em que espalhava pedaços de cascas de batatas e de ovos sobre os canteiros, alguém me falou:
_Vejo que o senhor mudou o lado do jardim. Era Angelina.
_É, você tinha razão, acho que agora vou ter um jardim! Disse isto me aproximando da grade do portão, não queria perder a oportunidade de um diálogo, afinal, foi graças a ela que meu projeto de jardim começava a dar certo.
_Você é uma menina inteligente e parece entender muito de jardim!
Ela gostou do elogio, o mesmo teve o efeito de mostrar que ela era uma menina falante e espontânea. Me contou que gostaria de ter um jardim também, mas seus pais eram muito ocupados e não queriam ela mexendo com terra, as coisas que sabia aprendeu com o senhor Gabriel.
_ E quem é este senhor Gabriel ?
_ É o morador do 63!
_ Ah! O doido...
_ Ele não é doido! As pessoas o chamam assim porque não o conhecem direito! Percebi que meu comentário foi infeliz e tratei de me desculpar, arrependido perguntei:
_ Por quê as pessoas o chamam de doido?
_ É porque ele fala com as plantas! As pessoas pensam que ele está falando sozinho e por causa disto é doido.
_ Mas você não acha estranho uma pessoa falar com plantas?
_ Não! Ele é uma pessoa solitária, gosta muito de plantas, dos pássaros e de animais...
_ Mas me parece que ele não possui nenhum tipo de animal. Comentei.
_ Se ele possuir animais não poderá ter um jardim e os pássaros não viriam visitá-lo!
_ Você gosta muito dele não é?
_ Gosto sim, ele me ensina muitas coisas, agora estou aprendendo com ele a tocar violino.
Antes de ir embora Angelina me pediu segredo sobre nossa conversa, disse que se o pai dela soubesse que ela freqüentava a casa do senhor Gabriel, certamente ele a proibiria de continuar, depois, sorrindo me falou que se eu queria ter um jardim bonito deveria conversar com as plantas. Acho que ela estava só brincando, eu jamais faria isto!

O morador do 63 só encontrava simpatia na menina Angelina. Os demais moradores o tinham como o mal da rua, os comentários circulavam na vizinhança com a justificativa de que suas preocupações eram para com a segurança dos filhos.
__ Nunca se sabe o que uma pessoa destas pode fazer, a gente vê todos os dias na televisão casos de pedofilia, até de sequestros, rituais de magia negra, venda de orgãos, passou um caso destes outro dia. Deus nos livre! Dá arrepios só de pensar.
Os comentários acabavam sempre com a afirmação de todos de que aquele homem representava um perigo para as crianças da rua.
__ Dias atrás sumiu o gato da dona Lazinha, quem garante que não foi o doido que deu sumiço no bichano?
__ E se é capaz de fazer isto com um gato, o que não faria com uma criança? Eu não acreditava em nada destas coisas, ouvia para demonstrar simpatia, percebi que tudo ficava só na conversa, e as coisas que diziam não acarretavam conseqüências que causassem preocupação. O doido dificilmente era visto, e se os males que recaiam sobre nós poderiam ser atribuídos a ele, melhor, foi uma maneira que encontramos para explicar estes males com uma conclusão lógica, culpa do doido!.

Em muitas vezes que o por do sol trazia uma noite silenciosa, era possível ouvir os acordes quase sempre tristes, arrancados de um violino que eu sabia vinha do número 63. Um som melancólico, de contagiante nostalgia, extraído quem sabe das páginas de uma serenata que forçava a gente a pensar em coisas tristes, nestes momentos, eu aumentava o volume da televisão para não ser contaminado por sentimentos de tristeza.
Se a música do 63 incomodava os demais visinhos eu não sabia, no dia seguinte os comentários eram sempre do tipo:_ O doido ouviu música ontem à noite! Mas era só isto.

Dia de finados. Eu voltava da padaria onde fui comprar pão e leite, a rua estava deserta pois era cedo, ao abrir o portão ouvi passos e o que vi me assustou a ponto de derrubar o saco de pães. Trajando um terno preto, o doido passava carregando um ramalhete de flores que identifiquei como sendo do seu jardim, não o cumprimentei pois ele sequer olhou pra mim. Entrei no quintal mas fiquei no portão, vendo-o se afastar puxando uma perna até que desapareceu no final da rua.
Por alguns instantes fiquei pensando no quanto era estranha aquela criatura, estranha e solitária. Isto me lembrou que a casa agora estava vazia, e comecei a imaginar como ela seria por dentro. As janelas e portas sempre fechadas dificultavam os olhares curiosos. Como seriam os móveis, a televisão talvez fosse portátil já que não se avistava antena externa, teria ele algum rádio? Difícil de saber, pois o único som que vazava de dentro da casa eu sabia agora que era o do violino. Nada naquela casa refletia uma luz sobre o caráter de seu dono, mas uma coisa era certa, doido ou não ele gostava de seu jardim. Seria o cuidado com suas flores fruto de uma mente doentia? Pergunta sem resposta, que tornava aquele homem ainda mais misterioso pra mim.

Com o fim da primavera se aproximando chegaram às chuvas, eu aproveitava parte de um domingo para limpar algumas calhas quando ouvi gritos que me fizeram acreditar estar acontecendo algum tipo de confusão na rua. De uma das janelas verifiquei que algumas pessoas corriam, pude até identificar o senhor Eduardo, morador do 58, gritei-lhe perguntando o que estava acontecendo e ele sem parar de correr respondeu que o doido tinha pegado a menina Angelina, não entendi muito bem, e já era tarde para ouvir mais explicações, seu Eduardo já estava longe. Corri em direção a rua e percebi que em frente ao número 63 se aglomeravam meus visinhos, juntei-me a eles e comecei a fazer perguntas, mas as respostas me deixava confuso, todos estavam nervosos, o pouco que consegui entender falava que alguém tinha visto o doido levando Angelina pra dentro de casa e avisou o pai dela, perguntei se ele estava levando ou se ela estava indo com ele, ninguém entendeu, e fiquei sem resposta.
O espanhol do açougue, pai da menina, era o mais nervoso de todos, vendo que seus gritos chamando pelo doido não surtiam efeito passou para a ação, sendo acompanhado por muitos, a grade de ferro não ofereceu nenhuma resistência para aquela multidão sem controle.
O estranho de tudo era que a casa permanecia fechada, como se aquela balbúrdia toda nada tivesse a ver com ela, isto parecia enfurecer ainda mais aqueles homens que após pisotearem o jardim aproximaram-se da porta, alguns portavam pedaços de ferros arrancados da grade. Quando a porta foi derrubada, eu praticamente fui jogado pra dentro da casa por aquela multidão sedenta de justiça. Os acontecimentos a seguir se desenrolaram muito rápido, mas as cenas que presenciei jamais seriam apagadas de minha mente.
Duas poltronas lado a lado, em uma delas a menina chorando tentava dizer algo que ninguém ouvia, na outra, o doido estava sentado calmamente, em silencio, olhar perdido, ausente daquele lugar, não esboçou nenhuma reação quando foi arrancado do móvel e levado pra longe do olhar da menina. Eu estava atônito, sem forças para esboçar qualquer tipo de reação em favor daquele desgraçado, e mesmo que isto fosse possível, o barulho provocado por um corpo que vai ao chão me mostrou que era tarde demais. A pobre criatura aceitou passivamente o seu destino como se fosse um castigo merecido.
Dever cumprido, a multidão vai embora. Resolvo permanecer por alguns instantes dentro da casa. Uma ironia, ali estava eu matando a minha curiosidade, sem ser convidado eu invadia a privacidade do doido.
A casa era simples, sala, cozinha, e um dormitório. Da sala se avistava a cozinha, uma mesa com quatro cadeiras, um fogão elétrico, armário, e pia. A sala era pequena, além das duas poltronas, uma mesa e uma estante com muitos livros, me interessei pela leitura do doido, identifiquei poucos escritores nacionais, e estranhei a presença do livro de contos Borboletas Azuis, de um autor brasileiro desconhecido. Escritores russos como Ivan Turgueniev, Dostoievski e Tolstoi, franceses como Voltaire, Victor Hugo e Abade Prévost, dominavam a maior parte da coleção. O dormitório era de casal, uma cama pequena tipo berço ocupava um dos cantos, no outro lado um tapete, onde o violino agora despedaçado repousava ao lado de manchas de sangue. Quando estava pra sair avistei um quadro na parede, talvez a única coisa que agora estivesse intacto na casa. No quadro um retrato amarelado de família, com a mãe, uma bonita mulher de cabelos longos segurando nos braços uma menina linda, de cabelos com cachos dourados, o pai, um homem jovial abraçava orgulhoso os ombros da esposa. Todos sorriam!
A policia apareceu chamada que foi por um visinho, fez perguntas sobre os acontecimentos e foram embora levando o corpo.
A menina Angelina foi levada para exames médicos, nunca soubemos os resultados, ela não voltou mais a morar na rua pois sua família mudou pra Campinas.


Uma semana após o ocorrido, uma pessoa que se identificou como irmão do morador do 63 veio do sul para tratar de assuntos relacionados ao imóvel. Fui o primeiro morador a ter contato com ele, uma pessoa simpática, ofereci meus préstimos, ele veio de longe e não conhecia ninguém por aqui. Pesaroso ele me falou da falta de comunicação com o irmão, as cartas que escreveu não tiveram respostas e agora só restava lamentar o destino do mesmo. Segundo ele, Gabriel foi um homem muito feliz junto da esposa e a filha. Um acidente de carro tirou a vida das duas e o deixou sem uma perna, obrigando-o a usar uma prótese.
Ele nunca se perdoou por isto, era ele quem dirigia o carro.
__ Após o acidente ele nunca mais foi o mesmo, se afastou de tudo e de todos, a aposentadoria por invalides cobria as despesas de sua solitária existência. Concluiu dizendo que o mais difícil era aceitar que seu irmão tenha merecido um destino tão cruel.

Aos poucos a Júlio Pereira retorna pra sua rotina. Temos um novo visinho, um vereador que está fazendo fortuna rapidamente na política comprou a casa para demolir e construir um grande sobrado. O senhor Eduardo do 58 chegou a comentar que nossa rua agora estava abençoada, seus moradores agora são todos gente do bem.

Meu jardim está cada dia mais bonito, só nesta manhã eu contei a visita de cinco beija-flores voando sobre ele.

FIM

DONOS DA TERRA

Queimada nos canaviais.


Introdução

Os primeiros caminhões passam levantando poeira e retocando a cor terra nas casas da colônia Usina.
No horizonte, por trás de uma cortina de fumaça o sol começa a despontar. É um sol grande, que promete mais um dia muito quente. As crianças acordam com os olhos pregados por remelas, geradas pela irritação provocada por cinzas das queimadas nos canaviais.
Com paciência as mães limpam os olhos das crianças com um pano embebido em óleo de cozinha, só então elas podem contemplar o dia que está nascendo. Ouvi-se aqui e ali as risadas infantis, a algazarra dos pássaros, e o coro de animais pedindo por comida. As mães, quase sempre em silencio apenas resmungam impropérios contra os pequenos, contra a miséria, e contra a vida. Os pais, há muito foram para as lavouras.

Antonio Furtado

Quando ia atravessar a rua percebeu que um funeral se aproximava vindo da esquina, respeitosamente tirou o chapéu e o segurou com a mão esquerda junto ao peito, com a direita fez o sinal da cruz.
Analisando o féretro verificou que o cortejo consistia de apenas um caminhão com o caixão e um ônibus com meia dúzia de familiares. È dia de batente pensou, justificando a comitiva e concluindo sua análise enquanto colocava o chapéu na cabeça e atravessava a rua.
Entrando num bar empório pediu uma mineirinha, fazendo questão de dizer que era no capricho, virou de uma só vez o copo de cachaça sentindo o líquido queimar goela abaixo. Depois de tanta poeira de estrada, aquela bebida lhe pareceu melhor do que água, olhou para o dono do estabelecimento e tentou puxar conversa:
__ Êita coisa gostosa sô!
No final do balcão, com um pano que deveria ser o guardanapo, o dono do boteco tentava espantar sem muito sucesso as dezenas de moscas que insistiam em experimentar a mortadela do local. Ouvindo o comentário do forasteiro, colocou o pano num dos ombros e se aproximou tentando ser simpático.
__ É, é bão pra rebatê puera. E pra não deixar o assunto morrer, perguntou de onde era o boa gente.
__ Sô do mundo. Respondeu o freguês. _Ora aqui, ora lá, paru ondi encontru trabaio.
Depois de colocar uma moeda sobre o balcão pelo pagamento da bebida, o forasteiro se despediu ouvindo um "boa sorte".
A sombra projetada rumo ao leste indicava duas da tarde, apressou o passo, a fazenda Boa Esperança ainda estava pra mais de três quilômetros. Quando atravessou o morro do Cristo Redentor avistou as primeiras nuvens de fumaça e pode sentir o cheiro forte e adocicado que ele conhecia tão bem. O calor estava sufocante, as roupas empoeiradas grudavam no corpo, um banho no rio viria a calhar, mas ele estava com pressa. Pela descrição dada na estação de trem a casa era branca, com portas e janelas vermelhas, a primeira depois do mata-burros junto a porteira. Aproximou-se do alpendre e bateu palmas. Foi atendido por uma vira -latas pequena e barulhenta, que surgia dos fundos da casa com a nítida intenção de dar as boas vindas ao intruso com uma bela mordida em sua bota. Quando se preparava para dar uma bica na fuça da bichinha a porta se abriu, e uma senhora gorda e baixa aparentando meia idade gritou:
__Titica, pra dentru! A cadelinha obedeceu de má vontade, mas ficou observando o estranho por entre as pernas de sua dona que perguntava ao homem o que ele desejava.
__ Pur favô dona, quiria prosiá cum seu Dominguinhos.
__ Momentu. Disse a mulher após uma passada de olhos na figura do andante.
O turmeiro Dominguinhos era um homem desconfiado, chegava aos pouco e mantinha distancia.
__ Duminguinhos a seu dispô!
O estranho depois de tirar o chapéu em sinal de respeito e incomodado pela distancia falou:
__ Sube no município que aqui na fazenda admite cortadô di cana e vim oferecê meu sirviçu.
Seu Dominguinhos quando se deu conta de que o estranho era apenas mais um desempregado dos canaviais relaxou.
__ Deu sorti, cuma vaga pro lugá du falicidu João pretinho. E emendou perguntando:__ Pra quais usina ocê já trabaiou?
__ Passus, Itaiquara, São João da Boa Vista e Ribeirão.
__ Tá bem batido hein!. Comentou o turmeiro num tom de critica.
O estranho falou que muitas usinas haviam mecanizado os cortes, com isto sobravam bóias frias que batiam pernas atrás de serviço. Seu Dominguinhos sabia disto, e por um momento seu rosto demonstrou a preocupação que lhe causava ‘a chegada do progresso. Mas não era sobre isto que queria pensar agora, pois agora, ele era alguém com algum prestigio na fazenda.
Após o acerto de salário pago por metro de cana cortada, o turmeiro encaminhou o estranho para um morador da colônia Usina onde sabia que tinha um quarto pra alugar com comida e roupa lavada. Despediram-se e quando o outro já estava longe, seu Dominguinhos lembrou que ainda não sabia o nome do estranho, fez a pergunta gritando:
__ Hei! Quar é seu nomi? O outro se virou para responder:
__ Antonio Furtado!

O menino Coelho

Os meninos João preá e Luiz perninha esperavam por Coelho no ponto, onde passaria o caminhão de bóias frias que os levaria pros alqueires daquele dia. Os dois primeiros já eram veteranos, com mais de ano no corte de canas, mas Coelho iria debutar na obrigação. Primogênito de uma leva de seis filhos órfãos de pai, o menino João preá, nos primórdios de seus treze anos, já carregava o fardo de substituir seu pai, finado João pretinho no sustento da família. Com um topete moldado com gordura de porco, Luiz perninha, com ares de troça, chamava a atenção do amigo preá para a chegada do novato Coelho. Este, com um enorme sombreiro de palha e desfilando um embornal quase do seu tamanho, disfarçava o nervosismo demonstrando a mesma tranqüilidade que se via no fogo das queimadas sem controle.
Quando o caminhão parou, o menino Coelho subiu com cuidado na boléia, as palavras de recomendações de mãe Dita ainda estavam vivas em sua mente, elas lembravam o ocorrido com Luiz perninha, que ganhara este apelido depois de uma queda do caminhão que lhe deixou manco e com uma perna mais fina que a outra.
Apesar da ansiedade que agride os principiantes e provoca mal estar nos intestinos, o menino estava feliz. Seu visinho de eito era nada menos que Antonio Furtado, pensionista em sua casa, um mestre na arte de cortar canas, só perdia para o senhor Isidoro que costumava se gabar:
__Homi!, num sei iscrevê meu nomi i tá aqui meu dedão qui num me dexa mintí, mas num eito di cana, tá pra nascê um cabra capaiz de vencê eu i meu facão.
E era verdade, senhor Isidoro era o único cortador de canas na fazenda capaz de vencer num só dia, um eito com cinco fileiras e duzentos metros de comprimento. Era um solteirão, seus pais morreram muito tempo, e sendo filho único ficou só na casa, e a casa era grande demais pra ele, por isso resolveu abri-la nos finais de semana para o grupo de baralho.
Antonio Furtado estava feliz por ter o menino Coelho a seu lado, conhecia a sua história, igual a sua e de muitos meninos que conhecera e que tiveram seus sonhos enterrados nos canaviais.
O primeiro dia de trabalho no canavial para um menino é inesquecível, só comparado com uma surra de porrete. No final do dia de sua iniciação, Coelho sentia tantas dores nas pernas que chegou a desejar não tê-las, e em suas costas, alguma coisa que parecia sem conserto estava arrebentada. No segundo dia ele já odiava sua profissão.
Desta forma eram moldadas em velhos as crianças nos canaviais, mãos calejadas, rosto marcado por cortes de folhas de cana, corpo curvado nos exercícios, pele queimada de sol..., e o aparecimento de doenças como a que aposentou seu Batista pai de Coelho e a que matou João pretinho pai de João preá.
Antonio Furtado encontrara na família do senhor Batista o bem estar e a tranquilidade que tão bem nos faz o convívio com as pessoas de quem gostamos. Dos membros da família, Coelho era o que mais se tornara ligado a ele, os dois passavam horas conversando, a ponto de dona Dita pedir para o menino deixar o rapaz em paz, mas Antonio retrucava sempre:
__ Dexa disso dona Dita, eu gostu di prosiá cum eli.
Numa das conversas entre os dois Coelho perguntou a Antonio:
__Sô Antonio, si a terra é tão grandona, pur quê tá na mão di tão pocus?
Enquanto Antonio pensava na pergunta, lembrou-se de uma história que seu pai lhe contara e relatou ao menino. A história falava de um tempo em que na terra existia só um homem e uma mulher como criaturas, e eles pecaram contra seu criador. Aborrecido, o criador resolveu passar o comando da terra para um anjo. Com o passar do tempo este anjo tornou-se egoísta e mesquinho, e resolveu vender a terra para os homens, com isto, os que tinham alguma posse adquiriam pedaços da terra de acordo com ela, e os que nada possuíam, eram obrigados a pagar com trabalho a moradia e a vida nestas terras.
Depois de ouvir com atenção, Coelho perguntou ao rapaz:
__ Essas coisa aconteceu há tantu tempu e ainda aconteci nus dias di hoji, qué dizê intão qui será sempri assim?
Antonio sorriu da esperteza do menino, e acariciando sua cabeça começou a falar de homens que lutavam para acabar ou pelo menos minimizar estes abusos, que permitem que os proprietários de terras tornem os que trabalham para eles seus escravos.
__ I comu issu é pussívil? Perguntou o menino. __ Estis homis pur acasu são Deus?
__ Não! Mais são homis di poder, homis du guverno eleitus pelu povu, qui lutam por uma mió repartição di terra. Estis homis defendi cum seus trabaio nu guverno uma mudança, ondi as terra não prudutiva seria tirada de seus donus e repartidas entri aquelis que num tem dinhero prá comprá mas tem a força do trabaio pra torná elas mãe dos alimentu.
__ Nossa! Estis homi pareci o Robi Ud né? Tira dos ricu e dá pos pobri.
Antonio sorriu com a comparação de Coelho, mas verificando a hora avançada deu-lhe boa noite e dirigiu-se para seu quarto, onde se deitou mas não dormiu. Seus pensamentos viajaram para muitos lugares, lugares como aquele, onde o dinheiro separava os homens em senhores e miseráveis, em donos e escravos.

Os grupos de baralho

Os dias úteis de trabalho na fazenda eram longos e cansativos, demorava chegar os finais de semana, quando á noite, ainda cansados pela labuta, os cortadores de cana se reuniam nas casas onde se jogava baralho enquanto mulheres e crianças ouviam e comentavam as novelas da rádio Piratininga.
Jogadores que freqüentavam uma mesma casa eram chamados de grupo. O grupo que o pai de Coelho freqüentava era o da casa de senhor Isidoro, onde se reuniam os visinhos mais próximos, foi nela que senhor Batista apresentou seu pensionista Antonio Furtado.
Em casa, Coelho aprendera a ouvir as paredes com sua mãe dona Dita e em uma de suas escutas ouviu na parede do senhor Ari, guarda do portão da usina e também freqüentador da casa de senhor Isidoro, alguma coisa relacionada aos grupos de baralho e de um convite feito pela casa grande. Comentou o que ouviu com seu pai, e no dia seguinte, dia de jogo, senhor Batista não bebeu e recomendou a seu pensionista que fizesse o mesmo, _ queru que ocê isteja bem conscienti para u qui vai presenciá hoji.
Antonio Furtado entendeu o recado, e matutou com seus botões:_ Já vai começá! As lembranças vieram como páginas de sua história. Ele sabia que estava num dos últimos redutos de cortadores de canas, por onde passou a história se repetiu, máquinas, conseqüentemente desempregos, ali não seria diferente. Seu peito acusava a dor que brotava, dor de saudade, de quando os verdes canaviais recebiam seus predadores com fome de vida. Morriam sempre, para renascerem no ano seguinte, e novamente sucumbirem frente aqueles que os tinham como deuses da provisão, porque só os deuses renascem, para vestir e alimentar as crianças, para fazer viver o matuto, o homem do campo, aquele que maltrata seu meio apenas para vegetar. Ele viu, viveu e sentiu por onde passou a dor, a desgraça, e o desespero de famílias que só queriam morrer fazendo o que sempre fizeram, plantar e cortar cana de açúcar.
Antonio não bebera no jogo de cartas, e em dado momento, quase de madrugada, pensou que sua imaginação fora longe demais, nada iria acontecer. Mas bastou senhor Ari, o guarda, se despedir, que uma coisa pouco comum aconteceu com os demais participantes. Depois da certeza de poderem confiar nas paredes, começaram a falar sobre direitos, depois falaram de sobrevivência, voltaram a falar de direitos e terminaram falando de sobrevivência. Alguém pigarreou, fez de propósito, os participantes correram as vistas a procura do inconveniente, senhor Batista corou, era seu pensionista. Depois de conseguir a atenção de todos, Antonio começou a falar:
__ Sinhores mi discurpem, sei que pur ser u mais novu du grupo eu divia só escuitá, i ao falá siria pra concordá cum tudo e cum todus. Já vivi esta cena em otrus lugares, já joguei baraio em otrus grupos e juntu com os colegas destis grupo, eu debati e tomei parti nas decisão. Adquirí ixpiriência suficienti pra sabe, que nu finar di tudo, as decisão tendi sempri pra rendição e aceitação du qui nus é impostu pelus donus das terra. Então eu pregunto:
__ Qui poder são estis qui fazem cum qui dependemos du trabaio sem u pussuir? Qui poder são estis qui fazem os donus du trabaio dependê cada veis menus deli?
__ Tenhu me preguntadu o purquê das coisas acontecê de tar manera, qui nóis qui dependemus du trabaio, não conseguimus u direitu de cuntinuá trabaiano. Us poderosos são capais di tirá di nóis até a crença num Deus, qui fala de iguardade entre os homis, purque o dinheiro si incarrega de separá us homis em escravus e sinhoris. I inquantu tamos aqui, discutindu as mididas tomadas pelus donus di nossus distinus, não podemos dexá di pensá qui u sustentu de nossas famias podi ser tiradu juntu cum nosso trabaio.
Antonio Furtado calou-se , durante um momento que pareceu um século o silencio tomou conta do lugar, era possível ouvir os grilos e as pererecas no lago, alguns gostariam de estar longe dali, em suas camas, num colchão macio de palhas de milho, com cheiro de algo novo. Como nada mais se tinha pra dizer e muito pra se pensar, e pensar pode ser cada um em seu canto, seu Isidoro agradeceu a presença de todos desejando-lhes bom descanso.
De volta pra casa senhor Batista e seu hóspede fumavam em silencio, este último admirava o brilho das estrelas sobre o fundo anil, visão que o vento proporcionou ao levar a fumaça das queimadas pra longe. Tirou a ultima baforada do cigarro antes de jogá-lo noite adentro e pensou:_ Agora só resta isperá.

O primeiro de maio

O primeiro de maio era celebrado com uma grande festa na fazenda. O pátio da igreja lotava com as famílias vindas de todas as colônias, e enquanto o padre rezava a missa e abençoava o dia consagrado aos trabalhadores, já se podia sentir o cheiro de carne sendo assada.
Os meninos Coelho, João preá e Luiz perninha, impecáveis em suas roupas novas e cheirando a leite de rosas, caçavam entre as barracas as raparigas de mesma idade.
A barraca da colônia usina era comandada por senhor Dominguinhos, que fazia questão de se vestir de branco neste dia, isto inibia os que recebiam dele um abraço sempre exagerado em suas demonstrações de simpatia. Era sua maneira de demonstrar pra todos a importância da confraternização entre comandante e comandados.
Era um dia feliz! Enquanto os homens bebiam, comiam, e comentavam sobre a novidade que seria apresentada este ano pela família fazendeira, as mulheres se encarregavam das crianças e vigiavam as sacolas que iriam garantir a mistura por alguns dias.
Senhor Ari, o guarda da usina, estava ansioso. Sua visita na casa grande parece que agradou, e ele esperava ser recompensado com um aperto de mão dos fazendeiros filhos na frente de todos os moradores, seria seu dia de glória.
Por volta do meio dia, quando os participantes da festa já estavam abastecidos com arrobas de carne assada, chegou o momento mais aguardado, a presença da família fazendeira. A elite da fazenda passou primeiro pela igreja, onde fizeram suas orações de agradecimentos por tudo que já possuíam e fazendo pedidos para o que ainda queriam possuir. Acompanhados pelo padre e o médico, a família chegou na festa e todos se acomodaram no palanque, construído especialmente pra eles. As atenções da festa estavam voltadas para o palanque, e murmurinhos de admiração podiam ser ouvidos em todos os cantos.
Senhor Ari, mesmo postado em lugar estratégico, não teve o aperto de mão esperado, mas conformou-se com a idéia de que a lealdade deve estar sempre acima dos reconhecimentos.
Era um momento especial, não fosse a crise de tosse da fazendeira mãe, que sofria de asma, o silencio seria total. Enquanto o padre testava o microfone dizendo: -Alô, alô..., o fazendeiro filho mais velho repassava o discurso que preparou para a ocasião. De posse do microfone, com a delicadeza de senhor e a sabedoria dos letrados, o fazendeiro filho mais velho iniciou seu discurso lamentando a ausência do fazendeiro pai, e pediu a todos que a morte do patriarca, apesar de lamentada, não deveria tirar o brilho daquele dia. Algumas pessoas próximas do palanque concordaram com um movimento de cabeça, seu Isidoro, um pouco afastado e sentindo os efeitos do excesso de álcool, disse amém, o que assustou o padre que se preparava para cochilar.
Partes do discurso sequer foram entendidas, mas basicamente falava de agradecimentos a todos os que lutavam para que a fazenda superasse os obstáculos causados pelas concorrentes. Quando sentiu o desconforto provocado pela transpiração, o fazendeiro filho mais velho passou o microfone para o mais novo, que começou seu discurso atacando as concorrentes:
__ A fazenda Boa Esperança jamais permitirá que suas concorrentes tenham condições de vender seus produtos mais baratos que os dela, lesando com isto nossa produção. Elas não conhecem nossa força, e daqui a pouco, nós que amamos e por isto defendemos esta terra, lhes daremos o merecido troco.
Seu Batista cochichou nos ouvidos de seu pensionista:_ Devi di ser a tar da novidadi.
O fazendeiro filho mais novo olhou o seu relógio, a multidão percebeu seu gesto de impaciência para com alguma coisa, e tomando um gole de água mineral assumiu novamente o microfone pedindo a atenção de todos:
__ Irmãos operários; companheiros de ideais; apresento a vocês a resposta aos nossos concorrentes. Disse isto apontando em direção a estrada que vinha da estação de trem. Primeiro uma nuvem de poeira, depois a visão de uma gigantesca carreta transportando algo enorme, a novidade era muito maior do que todos pensavam, e em algum lugar no meio da multidão, Antonio Furtado refletia:
__ Já começô.
O monstrengo tinha mais de quatro metros de comprimento por três de largura, e o fazendeiro filho mais novo anunciava com voz emocionada:
__ Companheiros de batalha, eis aqui nossa resposta para a concorrência, uma cortadeira de cana capaz de fazer o trabalho de cinqüenta homens.
Seu Isidoro, num gesto de desafio encarou a maquina dizendo que só acreditaria vendo, no que foi atendido, pois uma demonstração da capacidade da máquina foi feita, e com os olhos esbugalhados ante a visão daquele monstrengo trabalhando, ele vomitou na roupa branca de seu Dominguinhos.

Donos da terra

Os moradores de Boa Esperança acordaram na manhã do dia seguinte com o estridente apito da usina sendo acionado, era um aviso e convocação. A floresta de eucaliptos estava sendo devorada por um incêndio, e a população se deslocou para o local na tentativa de cercar e debelar o fogo. Depois do esforço compensado, uma constatação, a maquina cortadeira de canas estava irrecuperável, foi destruída no incêndio que iniciou no barracão onde ela estava guardada.
Nos dias seguintes, a rotina da fazenda estava mudada com o transitar da policia do município pela região. Seu Ari desta vez não foi convidado, mas sim intimado a comparecer na casa grande. Ao lado dos fazendeiros donos, um homem alto que ele identificou como sendo o delegado do município fazia anotações num bloco de papel, enquanto ele revelava que na noite após a festa houve jogo na casa de seu Isidoro, ele participou, mas como de costume se retirou mais cedo e o jogo continuou. A pedido do delegado ele fornecera os nomes dos jogadores que continuaram na casa naquela noite.
A policia chegou cedo na casa de senhor Batista, invadindo e revistando tudo, dona Dita se atirou pra cima de um deles mas acabou sendo derrubada com um safanão. O menino Coelho, armado com seu facão foi pra cima do agressor de sua mãe, mas foi contido por Antonio Furtado.
Senhor Isidoro, senhor Batista e seu pensionista, e mais cinco homens da lista de seu Ari foram presos e encaminhados para a delegacia do município, de onde alguns só sairiam depois de mortos. Dona Dita ficou louca e foi internada em um sanatório que cuida de doenças mentais na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, almas caridosas encaminharam seus filhos para um instituto que cuida de crianças abandonadas.

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A fazenda adquiriu várias maquinas cortadeiras de cana, eliminando com isto a maior parte da mão de obra nesta atividade. As famílias que viviam dos canaviais foram dispensadas, e sem trabalho e moradia, se juntaram a outras famílias nas mesmas condições num acampamento da região conhecido como "sem terras". Politicos costumavam frequentar este acampamento cadastrando seus titulos de eleitores.

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Numa cela escura e úmida da cadeia do município, um velho vencido pela tuberculose tinha forças apenas para murmurar:
__ É o fim!

FIM